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Ele o blasfemo, um lambaz precoce
na casaca, chapéu, calção, sapato,
porém de um olho tão sagaz, tão vivo,
que por fora está vendo o que sois dentro;
que a todos vos chamou burros de casta
(e não se enganou, o pérfido!) e acrescenta
que quase todos sois filhos da puta.
Ainda o ladrão diz mais, diz que sois tolos;
até parece que convosco vive,
pois barrascos vos chama à boca cheia;
dos nossos podres, e dos podres todos,
tem um registo universal o monstro.
Não saberá pregar, mas sabe os nomes
das putas e coirões assinaladas
que dos confins do lusitano império
vão por membros e membros repassadas
do hospital esfaimado ao cemitério.
Vai com ar austero e bordão na dextra,
com sapato lambão pisando as ruas,
cura de aldeia na figura e traje,
e no esguio chapéu sebastianista;
porém ronha até ali! Bispando ao longe
um membro fêmea das famílias nossas,
de urso felpudo com um gibão vestido,
e por cima um filó bordado e fino,
que cobre e descobre o seio e as mamas,
de roxos lírios caça pouco avara,
ou, falemos mais claro, um vestidinho
que, entre as pernas metido, à proa mostra
da pentelheira cabeluda a sombra,
e da popa, ou do cu divide o rego,
acotovela, com risinho amargo,
algum da súcia sempiterna dele,
e diz com aquela voz (sátira e raio)
- Como vai grave a Cónega Fulana?
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Padre José Agostinho de Macedo
Excerto do canto terceiro de Os Burros.