fingimento
(...)
Vem um homem que morreu enforcado, e, chegando ao batel dos mal-aventurados, disse o Arrais, tanto que chegou:
Diabo: Venhais embora, enforcado!
Que diz lá  Garcia Moniz?
Enforcado: Eu te direi que ele diz:
 que fui bem-aventurado
 em morrer dependurado
 como  o tordo na buiz
 e diz que os feitos que eu fiz
 me fazem canonizado
Diabo: Entra cá, governarás
atá as portas do Inferno
Enforcado: Nom é essa a nau que eu governo
Diabo: Mando-te eu que aqui irás.
Enforcado: Oh! nom praza Barrabás!
      Se Garcia Moniz diz
      que os que morrem como eu fiz
      são livres de Satanás...
E disse-me que a Deus prouvera
      que fora ele o enforcado;
      e que fosse Deus louvado
      que em bo'hora eu cá nascera;
      e que o Senhor m'escolhera
      e por bem vi beleguins;
      e com isto mil latins
      mui lindos, feitos de cera.
E no passo derradeiro,
      me disse nos meus ouvidos
      que o lugar dos escolhidos
      era a forca e o Limoeiro;
      nem guardião do moesteiro
      nom tinha tão santa gente
      como Afonso Valente
      que agora é carcereiro.
(...)
Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente,  1517
 
 
 
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