o labirinto do fausto
- Olha quem é ele!
- Olá Manel.
- Tudo bem? Não tens boa cara...
- Não ando nada bem! Doenças, doenças, não sei o que se passa… Ainda onte fui ó médico e ele lá disse o que eu tinha mas não apartei nada… Fiquei a navegar…
- A navegar ou a ver navios?
- Isso, isso…
- Mas ó pá, também não estamos a caminhar para mais novos!
- Olha, essa é que é essa… E tu, como vai isso?
- Nunca pior... Desde a operação à ciática que me sinto muito melhor… Imagina tu que no último fim-de-semana até fui pescar! Já nem me alembrava da última vez em que tinha pegado na minha cana.
- Muito me contas! Para onde fostes?
- Ali para o Rio Maior. Desde as obras aquilo ficou bonito. Limparam o rio, está tudo muito verde… Não fosse a minha idade até arriscava mergulhar. Disso tenho saudades…
- Oh! Saudades tenho eu daquelas festas que fazíamos no antigamente, quando éramos novos… Se me apanhava agora cinquenta anos mais novo…
- Nem me fales de festas! Antes d’ontem fui à carmesse do teu lar…
- Pois, eu estava muito mal, não pude ir…
- Foi no salão paroquial. Sabes, para engariar… para juntar dinheiro para irmos ver as amendoeiras em flor. E como de costume houve bailarico. E não é que a Alzira, dos dali de baixo, do Zabumba, veio toda lampeira puxar-me para dançar…
- A Alzira tem bom corpo…
- Isso era em antes! Agora, bom corpo, só se for para cavar batata, home! Mas, aqui entre nós, aquilo já foi do melhor. Agora… Está tudo velho…
- Como nós!
- Mas para as mulheres em quatro tempos tudo muda… Sinceramente, a Alzira está acabada... Bom, mas é melhor calar-me porque a terra é pequena e as paredes têm ouvidos.
- Olha, nisso vou dar-te razão. É melhor ficarmos por aqui…
- Sabes, ela até tentou dar-me um beijo e…
- Ó home, já te disse que não quero saber! A Alzira quando enviuvou desvairou.
- Pronto, não se fala mais nisso. Vamos então ficar por aqui…
- É… Ir por esses caminhos só nos mete em trabalhos…
- Olha, ao menos, no fundo, diverti-me …
- Olha, e é isso que se quer… Que isto da vida de repente já não é…
- Isso é que é uma grande verdade! Às vezes queria voltar ao tempo… sei lá… em que tocávamos no rancho…
- Ó home, isso é que eram tempos! Com a minha viola… E a Albertina a cantar…
- A Albertina-cana-rachada?
- Sim… Recordo-me como se fosse hoje… Eu era muito verde nessa altura… Se soubesse o que sei agora…
- É que nem tocar conseguíamos… Estávamos ali a navegar…
- A navegar ou a ver navios?
- Isso, isso…
- Olha, sabes o que te digo?
- …
- Não te digo nada, é o que eu te digo…
3 comentários:
quem e que escreveu este precioso dialogo? foste tu, josef?
Sim, Mascarilha, fui eu. Inspirado também em muitos anos de conversas contigo. Sabes o que digo?
nao te digo nada, e' o que eu te digo...
aiii, que ja me sinto como esses dois velhinhos sentados num banco de jardim...
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