o homem dos mil dedos
Carlos Paredes carregava nas mãos o peso dos sentimentos e libertava-os nas cordas. Nunca ninguém se exprimiu tão bem sem palavras. Por nós também: somos um bocadinho daquela guitarra; o som que ouvimos é a nossa voz.
«Já me tem sucedido fazer as pessoas chorar enquanto eu toco... E eu não compreendia isto, mas depois percebi que é a sonoridade da guitarra, mais do que a música que se toca ou como se toca, que emociona as pessoas.»
(em entrevista ao jornal Público, 1990)
E a guitarra é Carlos Paredes.
Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
nao vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos, diz flores!
De tudo o mesmo se diz!
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!
Inutil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D.Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes!
António Gedeão, Impressão Digital (in Movimento Perpétuo, 1956)
2 comentários:
e ouvi-la pelos dedos dele é acordar em frente à sé velha e perder o rumo pelas ruas estreitas da alta, entre o penedo da saudade, o jardim botânico guardado pelos velhos arcos, o mondego e a sua mata, tantas vezes cantada, beber o silêncio da quinta das lágrimas... -porque chorava inês, se a guitarra ainda não cantava?
ouvi-la é voltar a casa.
Exactamente. É voltar a casa.
Enviar um comentário